quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Corda Bamba Climática


Estamos numa corda bamba climática sem rede de proteção. Às vésperas da 24ª Convenção sobre as Mudanças Climáticas da ONU (COP 24), que acontece entre 2 e 14 de dezembro, em Katowice, na Polônia, um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), publicado no dia 22, diz que as emissões de dióxido de carbono (CO₂) no planeta atingiram um nível recorde em 2017. Enquanto isso, os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), divulgados no dia anterior, apontam que elas diminuíram no Brasil. A redução foi de 2,3% em 2017 e está diretamente ligada à diminuição de 12% no desmatamento da Amazônia.

O país emitiu 2,071 bilhões de toneladas brutas de gases causadores do efeito estufa no ano passado, contra 2,119 bilhões de toneladas em 2016. Mas esta notícia não é necessariamente boa.
Para começar, poderia ter sido bem menos, caso não houvesse o aumento de 11% no desmatamento do Cerrado. Fora isso, quase todos os setores da economia tiveram aumento nas emissões, coincidindo com o abrandamento da recessão da economia do país.

O agronegócio continua sendo o setor  com maior emissão, respondendo por aproximadamente 71% do total – isso inclui a derrubada da floresta para lavoura e pasto, a criação de gado, cultivo de alimentos, transporte de carga etc. O maior problema, porém, é que o Brasil vem se mantendo há sete anos num patamar de emissões alto, com essas variações que acompanham os humores da economia e a taxa de desmatamento – que ainda é a maior do mundo. Em 2016, por exemplo, houve um aumento de cerca de 8% nas emissões em relação a 2015, justamente por causa do crescimento da destruição do verde.  E dias atrás foi anunciado que entre 2017 e 2018 o desmatamento voltou a crescer na Amazônia e chegou na maior taxa em uma década.

Mas é justamente essa particularidade, a relação entre desmatamento e as emissões do agronegócio, que pode nos levar em segurança ao outro lado do precipício. O Brasil tem tecnologia de ponta para a chamada agricultura de baixo carbono. É possível produzir mais sem a necessidade de derrubar tantas árvores. Reduzindo ao máximo o desmatamento e usando mais racionalmente as terras reservadas para a lavoura, podemos diminuir pela metade as emissões no setor em menos de quatro anos. Seria bom para a nossa economia e para o clima do planeta. Países mais industrializados certamente terão mais dificuldade de fazer essa travessia. A OMM alerta que é urgente restringir emissões antes que as mudanças climáticas tragam consequências irreversíveis. Ainda podemos evitar a queda, mas temos que ser rápidos.

Publicado em O Globo, 28.11.2018

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Meia-Volta, Volver!



- Esta e a natureza da democracia, ela é dura, as vezes conturbada e conflituosa e nem sempre inspiradora. Quem perde uma eleição deve refletir sobre os erros se refazer e voltar o jogo mais preparado da próxima vez. Devemos assumir a presunção de boa fé dos eleitores. Pois esta presunção é essencial para uma democracia vibrante e funcional. Farei o possível para que o próximo presidente tenha sucesso.  A presidência é como uma corrida de revezamento em que você recebe o bastão e corre a sua melhor prova na esperança de entregar o bastão ao próximo corredor numa posição melhor do que recebeu. Enfim estamos no mesmo time. 

Estas foram palavras que Barack Obama em discurso logo após a vitória de Donald Trump nos EUA. A esperança daquele momento é que ao receber a presidência pudesse baixar o tom beligerante e rever algumas das propostas de campanha mais esdruxulas. Infelizmente isso não aconteceu. Tirou os EUA do Acordo de Paris (é o único entre todos os países do mundo que saiu do Acordo), nomeou um inimigo da agenda ambiental para comandar a principal agência ambiental do país, rasgou acordos comerciais, atacou diariamente a imprensa e muito mais.  Felizmente a força instituições e dos estados Americanos tem contrabalançado o estrago das políticas anti-socioambientais de Trump.

A eleição de Jair Bolsonaro provoca sentimentos semelhantes no país, com agravante de que nossas instituições e estados são muito menos consolidadas. Durante a campanha Bolsonaro anunciou diversas propostas ou medidas preocupantes como tirar o Brasil do Acordo de Paris, incorporar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) no Ministério da Agricultura (MAPA), exonerar de investigação mortes causadas por policiais e criminalizar o trabalho das ONGs. 

Nos últimos dias de campanha amenizou o tom sugeriu que não faria a fusão dos ministérios e permaneceria no Acordo de Paris. Ambas medidas que tinham recebido enorme resistência dos diversos setores empresariais e da sociedade civil. Mas, menos de 48 hs depois de eleito já dá sinais de que não pretende mesmo ser um governo de união. Anunciou que vai mesmo fundir o MMA com o MAPA. No congresso seus aliados planejam votar ainda esta semana um artigo que torna praticamente todo tipo de ato publico de protesto passível qualificação como terrorismo.

O presidente eleito precisa entender que não é mais candidato favorito de um terço da população que lhe confiou o voto, mas presidente de Brasil e, portanto, deve atender aos anseios de toda sociedade em especial aos mais vulneráveis e aos bens de interesse coletivo como o meio ambiente saudável para todos. Para ter sucesso como presidente Bolsonaro terá de dar meia volta nas propostas mais radicais sob pena de, ao não fazê-lo, dividir e isolar o país em vez de uni-lo conectado ao mundo.


Publicado em O Globo em 31.10.2018

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

SOBRE SER PATRIOTA


De acordo com os dicionários, patriota é uma pessoa que ama a sua pátria. Mas não apenas. Ainda de acordo com os dicionários, patriotas são todas as pessoas que se esforçam para serem úteis à sua pátria, agindo em seu favor ou na sua defesa. Às vésperas de escolhermos o futuro presidente da República, em um período eleitoral onde os termos ‘pátria’ e ‘patriota’ têm sido usados, a meu ver, de maneira distorcida, convém aclararmos conceitos. E nada melhor do que exemplos reais para demonstrar o significado correto de um termo ou conceito.

E já que falamos em república, vamos também voltar ao dicionário para saber o seu significado semântico: Forma de governo em que o Estado se constitui de modo a atender o interesse geral dos cidadãos. A palavra ‘república’ deriva do latim ‘res publica’, que significa literalmente ‘coisa pública’. Desta definição, podemos concluir que o termo republicano é aquele que define a pessoa ou a ação que sobrepõe o interesse geral dos cidadãos aos interesses pessoais ou de grupos.

Um patriota republicano é uma pessoa que se esforça para ser útil à sua pátria, agindo em defesa não dos seus próprios interesses, mas sim do interesse coletivo. É alguém que se posiciona, por palavras e por atos, em defesa do bem comum. Penso que nada melhor do que os símbolos nacionais para exemplificar, na prática, os conceitos de patriota e de republicano.

A Constituição Brasileira, no seu Artigo 13, define como símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas (ou o brasão) e o selo nacionais. Destes quatro, vamos tomar o primeiro, a Bandeira Nacional, para simbolicamente representar o que é ser patriota no Brasil.

Nossa bandeira tem quatro cores. O verde simboliza nossas florestas, nossos ecossistemas naturais, que abrigam uma das mais exuberantes e ricas biodiversidade do planeta. Como nos lembra nosso Hino Nacional, outro dos símbolos da pátria, o Brasil é um país “gigante pela própria natureza”. Ser patriota é agir em defesa das florestas! Mas não apenas delas. Ser patriota é respeitar todos os grupos e comunidades que dependem diretamente das nossas florestas para sobreviver, é reconhecer e valorizar o modo de vida e a cultura histórica dessas pessoas. É proteger e lutar pela vida das pessoas que dedicam suas próprias vidas, como patriotas que também são, a lutar pela defesa das florestas.

Ser patriota e republicano é pensar, falar e agir colocando o interesse dos cidadãos que protegem as florestas acima dos interesses dos que anseiam por sua destruição. Porque florestas protegidas não beneficiam apenas quem patrioticamente as protegem. Proteger florestas, assegurar o verde da nossa bandeira, é um ato patriótico e republicano que gera benefícios para todos os brasileiros, mesmo aqueles que pensam que não dependem delas para sobreviver. Destruir uma floresta ou considerar que ela atrapalha o desenvolvimento do país, isso sim é um ato e um pensamento antipatrióticos.

Nossa bandeira tem quatro cores. O amarelo simboliza nossas riquezas minerais, nosso ouro, nossos diamantes, nossa bauxita, nosso ferro, nosso nióbio e tantos outro minérios que fazem do Brasil um dos países mais ricos do mundo. Ser patriota é agir em defesa das nossas riquezas minerais. Ser patriota é assegurar que sua exploração se dê de maneira adequada, gerando desenvolvimento para nosso povo e divisas para nossa pátria.

Ser patriota e republicano é desejar e agir para que nossas riquezas minerais sejam protegidas dos interesses internacionais. É lutar para que sua exploração não se dê em detrimento dos direitos dos povos originais que vivem, há séculos, sobre o solo que as guarda. Ser patriota e republicano é não querer compartilhar ou entregar estas riquezas a outros países. Querer sobrepor os interesses minerários aos direitos de quem aqui já estava, mesmo antes de sermos uma pátria, isso sim é antipatriótico.

Nossa bandeira tem quatro cores. O azul simboliza nosso céu, nosso mar e nossos rios. Ser patriota é lutar para que nosso céu não seja ofuscado pela poluição. Ser patriota é agir em defesa dos nosso mar e de todas as formas de vida que dele dependem. Patriota é aquele que protege os rios, as nascentes, os aquíferos. Patriotas são todos os que dedicam suas vidas a lutar contra todas as formas de contaminação e degradação da nossa atmosfera, do nosso céu e das nossas águas.

Ser patriota e republicano é entender que um céu poluído afeta a saúde humana. Um patriota republicano sabe que nossa atmosfera depende de uma camada de gases que formam uma espécie de estufa, que nos aquece e nos protege, mas também sabe que esta camada se engrossa quando poluímos nossos céus. Um verdadeiro patriota toma para si os compromissos que sua pátria assumiu com as outras pátrias com as quais compartilhamos este planeta, para que nenhum patriota de nenhuma pátria sofra as consequências dessa poluição.

Um patriota republicano não permitirá que os recursos pesqueiros dos nossos mares sejam explorados. Um patriota republicano respeita as regras e os locais de pesca, porque reconhece que estas regras asseguram a proteção desses recursos e os direitos dos que deles dependem. Ser patriota e republicano é não querer poluir os rios, é não autorizar que as florestas que os protegem sejam derrubadas, é agir para que sejam restauradas as florestas das margens dos rios que foram, antipatrioticamente, desmatadas no passado.

Nossa bandeira tem quatro cores. O branco simboliza a paz. Ser patriota é promover a cultura de paz. Ser patriota é tratar como irmãos todos os demais patriotas, mesmo aqueles que porventura pensem diferente de nós. Afinal, podem haver diferentes maneiras de se defender a pátria, da mesma forma como há muitas maneiras de se fingir de patriota.

Um patriota republicano não deseja impor ao coletivo seus próprios interesses ou seu modo de ser patriota. Ser patriota e republicano é reconhecer e valorizar a diversidade do nosso povo, é respeitar quem pensa, age, ama ou se comporta de maneira diferente da nossa. Um patriota republicano jamais desejará eliminar os diferentes, nunca pregará, nem por metáforas, o fuzilamento de compatriotas adversários. Afinal, pregar hostilidades, segregação e violência entre patriotas é um caso exemplar de antipatriotismo.

Portanto, seja um patriota de verdade! Vote sempre pela nossa bandeira, a favor das nossas florestas, em defesa das nossas riquezas minerais, pelo nosso céu, pelas nossas águas e pela nossa paz.

(escrito pelo amigo Beto Mesquita, 25.10.2018)


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Eleições, Meio Ambiente e Esperança



Em ano de eleições tem se tornado comum as más notícias para o meio ambiente e 2018 tem sido particularmente cruel. Nas ultimas semanas fomos bombardeados por péssimas noticias. Os números oficiais no INPE ainda não foram publicados, mas os dados do sistema SAD publicado pelo Imazon apontam que o desmatamento na Amazônia aumentou 39% entre agosto de 2017 e julho de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior.

Já o SIRA-X, programa de monitoramento de desmatamento do ISA na Bacia do Xingu detectou a 2 mil campos de futebol de desmatamento dentro da das Terras Indígenas (TIs) Apyterewa e Ituna/Itatá, ambas no Pará, no mês de agosto, oito vezes o que havia sido verificado no mês anterior. 

Um estudo do Instituto Centro e Vida (ICV) feito com base nos dados oficiais do Estado do Mato Grosso apontou que nada menos do que 98% do desmatamento do Cerrado no estado é ilegal, ou seja, não tinha autorização valida para ser realizado. Imaginava-se que a ilegalidade no Cerrado fosse menor que na Amazônia mas pelo jeito é igual ou pior, pelo menos em MT.

A violência contra ativistas ambientais e lideranças comunitárias também aumentou nos últimos 3 anos. A Global Witness divulgou os dados de assassinatos de ambientalistas no mundo em 2017 e o Brasil novamente lidera a vergonhosa lista com 57 mortes.

Existe luz no fim do túnel. O IBAMA, sem alarde, montou um portal para divulgação das bases de dados de licenciamentos, multas, embargos, guias de transporte de madeira e outros dados fundamentais para monitorar as atividades que podem causar dados ambientais. Seus efeitos logo começarão a ser sentidos. O Ministério Publico Federal criou uma força tarefa de procuradores na Amazônia para investigar crimes ambientais na região, nos moldes da Lava Jato. O IBGE divulgou os dados da Pesquisa Agrícola Municipal que indica que a valor da produção de Açaí – que mantem floresta em pé - ultrapassou os R$ 5 bilhões em 2017, quase um terço do valor da produção nacional de café em grão.  

As eleições caóticas que se aproximam podemos ir de um extremo ao outro. Como mostrou estudo do Observatório do Clima, nas candidaturas a Presidência temos num extremo a quase barbárie, com proposta de deixar o Acordo de Paris, desregulamentar do setor ambiental, liberar agrotóxicos na base da canetada e rever todas as áreas protegidas. Do(s) outro(s) lado(s) a proposta de zerar o desmatamento, demarcar todas as terras indígenas, bombar as energias renováveis, promover o mercado de carbono e realizar no Brasil a próxima conferencia de clima.

Podemos viver o inferno ou uma revolução sustentável. A resposta estará na urnas em outubro.

Publicado em O Globo em 26.09.2018

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Constante Transformação



Quanto tempo se leva para produzir um mapa que explique o que cobre e como é utilizado cada pedacinho de terra do Brasil? E para contar a história de transformação de cada canto ao longo das últimas três décadas? Pelos métodos tradicionais de mapeamento por meio da interpretação visual de imagens de satélite, seria um trabalho para quase meio século. 

Um grupo de pesquisadores brasileiros — especialistas em sensoriamento remoto e ciências da computação e experts nos biomas brasileiros e práticas de uso da terra — desenvolveu uma metodologia inovadora, em rede, envolvendo aprendizado de máquina e processamento computacional distribuído na nuvem, que possibilitou completar a tarefa em apenas três anos, num trabalho inédito no mundo. 

O projeto, chamado MapBiomas, disponibiliza — numa plataforma pública e gratuita — mapas e dados que permitem compreender como o território brasileiro veio se transformando desde 1985 até 2017.

A cada ano, cerca de 1% a 2% do território sofrem mudanças de uso e cobertura do solo. Ao longo dos últimos 33 anos, nada menos que 41% do território passaram por alguma transição de uma classe de cobertura e uso do solo no período.

Neste período, as áreas urbanas cresceram 55%, conforme a população foi crescendo concentrada nas cidades. Saltamos de 132 milhões para 207 milhões de habitantes, com 84% deles nas áreas urbanas. As cidades ocupam pouco menos de 0,5% do território, mas demandam grande quantidade de recursos para se manter e irradiam impactos por extensas áreas do território, mesmo com a queda de 14% da população rural.

Perdemos 71 milhões de hectares de cobertura florestal, savanas e vegetação campestre entre 1985 e 2017 — uma área equivalente aos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em contrapartida, a área destinada à agricultura triplicou, e a pecuária aumentou mais de 40%. Embora mais de 68% do país estejam cobertos com florestas ou vegetação nativa, quando observamos aquelas que se mantiveram como tal desde 1985, esta área cai para 50% do país. 

A perda de cobertura de vegetação nativa, associada a vastas áreas degradadas, tem afetado várias bacias hidrográficas críticas para o abastecimento de água. Em 12 delas, a cobertura de florestas e vegetação nativa não alcança 30%, incluindo bacias-chaves para o abastecimento das cidades e a produção rural, como Tiête, Paraná, Paranapanema e Baixo São Francisco.

O conhecimento das transformações pelas quais tem passado nosso território, deve servir de impulso para planejar e implementar o uso sustentável e duradouro dos nossos imensos, porém finitos, recursos naturais.


Publicado em O Globo, em 29.08.2018


quarta-feira, 25 de julho de 2018

Aqui não!



No evento de sua oficialização como candidato do PSL à Presidência da República no último domingo, o deputado Jair Bolsonaro afirmou que, se eleito, vai retirar o Brasil do Acordo de Paris. Os argumentos do parlamentar são diretos: não existiria comprovação do aquecimento global e nem mesmo dos seus impactos, e o Acordo de Paris é uma conspiração internacional para impedir o desenvolvimento de nossa economia.

As postagens dos filhos do deputado nas redes sociais já indicavam uma profunda ignorância sobre os efeitos e causa das mudanças climáticas, mas ver isso transformado em discurso de um candidato a presidente é chocante.

A fala de Bolsonaro foi recheada de outras propostas estapafúrdias — como incorporar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura —, e a proposta de sair do Acordo de Paris acabou passando quase desapercebida ou mesmo considerada uma bravata. A experiência recente nos EUA nos mostra que é preciso levar a sério estes discursos e procurar desconstruí-los com argumentos claros antes que possa se consolidar pelo embate político.

Os estudos conduzidos pelos maiores cientistas brasileiros reunidos no Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e na Academia Brasileira de Ciência são claríssimos ao apontar os enormes riscos dos impactos das mudanças do clima sobre a saúde, segurança, produção de alimentos, geração de energia e conservação da biodiversidade, entre outros. E estes impactos serão sofridos principalmente pelas populações mais pobres e vulneráveis. Este é o mesmo cenário verificado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas no contexto global.

O Brasil teve um papel fundamental no desenho do Acordo de Paris, sendo o arquiteto da proposta de compromissos nacionais voluntários revisados a cada cinco anos como pedra fundante do acordo. Mesmo em meio à crise política e ao processo de impeachment de 2016, a ratificação do Acordo de Paris foi um momento de rara coesão no Congresso brasileiro, sendo aprovado por unanimidade tanto na Câmara quanto no Senado.

A saída do Acordo de Paris — que só poderia acontecer se aprovado pela Câmara e pelo Senado — seria um vexame para a diplomacia brasileira e um ato de descaso com as populações em situação de risco. Muito além disso, representaria uma enorme perda de oportunidade para a economia brasileira tornar as suas vantagens comparativas em vantagens competitivas na nova economia, na qual energias renováveis, biocombustíveis, agricultura de baixo carbono e proteção das florestas podem ter precificado seu papel de redução das emissões globais de gases de efeito estufa.

Para o mundo basta um Trump. Não precisamos de outro. Aqui não!

Publicado em O Globo, 25.07.2018

domingo, 1 de julho de 2018

Reduz, mas aumenta


Semanas atrás, o governo anunciou uma meta de redução de 10% da intensidade de emissões de carbono do setor de combustíveis para o transporte no Brasil até 2028, o que resultaria, segundo as contas do Ministério de Minas e Energia, numa redução de 600 milhões de toneladas de carbono (CO2) nos próximos dez anos. A meta é parte do projeto RenovaBio, que visa a promover a ampliação do uso de biocombustíveis, em especial o etanol e o biodiesel na matriz de transportes brasileira.
Mas, olhando com mais calma os números que embasam o anúncio do MME, nota-se que, em vez de reduzir, as emissões de CO2 crescem de 289 milhões para 335 milhões de toneladas entre 2018 e 2028. A redução, na verdade, só ocorre se comparada com uma projeção de quanto seria a emissão em 2028 se a intensidade de emissões de carbono permanecesse a mesma de 2018. Como a meta de aumento de eficiência é de cerca de 1% ao ano, mas o aumento do consumo de combustíveis cresce mais de 2% ao ano, o resultado é o aumento do volume total de emissões.
No final do período de 10 anos, a participação dos biocombustíveis na matriz de transportes subiria de 20 para 28%, muito pouco frente ao potencial do Brasil, até porque mais de 74% da frota circulante já são flex, e deve chegar a mais de 90% em 2028, segundo projeção do MME.
A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) foi criada para ser uma grande alavanca ao uso de biocombustíveis e redução das emissões de gases de efeito estufa. Para operacionalizá-lo, um dos instrumentos principais são os Créditos de Descarbonização de Biocombustíveis (CBio).
Quem produz biocombustíveis gera CBios, e as distribuidoras que vendem têm que adquirir uma quantidade predefinida de créditos. A demanda de CBios é dimensionada a partir das metas de intensidade de emissões do setor de combustíveis.
A definição das metas passou por uma queda de braço entre o setor de biocombustíveis, a sociedade civil, que propôs metas mais ousadas de descarbonização, e o setor de petróleo e gás (leia-se Petrobras), que sistematicamente bloqueou as propostas de maior ambição, propondo inclusive metas ainda menores que as aprovadas.
Para atingir a meta proposta, o esforço adicional ao que já é feito é mínimo, as metas seriam atingidas quase que por inércia. Se quisermos realmente baixar as emissões é preciso estabelecer metas mais agressivas de penetração dos biocombustíveis combinadas com eletrificação dos transportes (nossa matriz já é 80% renovável), o desestímulo ao transporte individual motorizado, o estímulo ao transporte público e promoção dos modais ferroviário e aquaviário para o transporte de carga.
Aí sim, podemos falar em real redução das emissões de poluentes do setor de transporte brasileiro.

Publicado em O Globo, em 27.06.2018

quarta-feira, 30 de maio de 2018

E se fosse elétrico




Diante do caos dos últimos dias como consequência da greve dos caminhoneiros fico imaginando como essa história seria contada pela minha filha de nove anos para seus filhos e netos: para mover os veículos era utilizado um combustível líquido. Funcionava assim: das profundezas do mar retiravam um líquido preto chamado Petróleo que seguia para industrias enormes chamadas refinarias onde era transformado em um líquido amarelado que conhecemos como gasolina e diesel. Este líquido era transportado em caminhões por milhares de quilômetros pelas estradas e entregues em postos de venda de combustível. 

Para andar com o veiculo, a gente se dirigia a estes postos e colocava o liquido no motor e com ele conseguia andar cerca de 400km. Quando acabava o combustível você procurava um destes postos de combustível para reabastecer. Dai, o preço deste combustível liquido começou a ficar muito caro e ouve uma greve dos caminhoneiros e não tinha como entregar combustível e virou o caos. 

Cerca de 60% do transporte de cargas no Brasil é feito por caminhões. Uma parte importante poderia ser revertida para outros modais como ferroviário, aéreo ou de navegação, mas ainda assim parte da carga geral destinada a conectar distâncias menores ou pulverizadas precisa do transporte rodoviário.

Prece incrível, mas quase 15% de toda carga transportada no Brasil é o próprio combustível e como é uma carga muito especifica, é quase sempre um frete de retorno vazio. Uma gigantesca ineficiência.

Num sistema de transporte baseado em eletricidade, essa ineficiência desaparece, pois a energia circula pelo sistema integrado de energia elétrica. Postos de recarga podem ser estabelecidos de forma rápida em qualquer lugar e ainda serem carregados com energia solar produzida no local. Embora o investimento inicial seja alto, os preços estão caindo rapidamente e dentro de poucos anos já serão plenamente competitivos com veículos a combustão. Os custos de operação dos veículos elétricos são muito mais baixos além de serem mais confortáveis, ter melhor performance e reduzir drasticamente a poluição local e as emissões de gases do efeito estufa. 

Apesar dos óbvios benefícios, a eletrificação do transporte tem sido solenemente ignorada nas politicas de transporte, mobilidade e desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, como mostra a recente licitação de ônibus urbanos em São Paulo ou o Plano Rota 2030 com incentivos para a indústria automobilística desconectados dessa realidade.

O futuro do transporte passa pela eletrificação. Que a crise atual, pelo menos, sirva  para acelerar a sua implementação. 

Publicado em O Globo em 31.05.2018

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Moratória



As florestas são fundamentais para a manutenção das chuvas e o fluxo e qualidade da agua, a biodiversidade e ciclagem de carbono e nutrientes. A atividade agropecuária por sua vez é fundamental tanto pelo produção de alimentos e materiais quanto pela contribuição para a economia. Não podemos viver sem um ou outro.

Atualmente a agropecuária parasita as florestas e a vegetação nativa no Brasil. Todo ano centenas de milhares de hectares são desmatados no Brasil para dar lugar a atividades agropecuárias. Mas não precisa ser assim.

Quase um terço do território brasileiro já foi desmatada para atividade agropecuária. São quase 270 milhões de hectares que representam a terceira maior área dedicada a esta atividade no mundo. Deste total, 170 milhões de hectares são considerados pastagens ativas (com produção continua) e 75 milhões de ha são dedicados aos cultivos agrícolas (soja, milho, laranja, cana etc). Sobram 25 milhões de hectares de áreas degradadas, sub-aproveitas ou improdutivas.

Por outro lado, um passivo de 15 a 25 milhões de hectares de florestas e vegetação nativa a serem recuperados para sanear os déficits de reserva legal e áreas de preservação permanentes previstas no código florestal.

A agricultura brasileira é a mais produtiva dos trópicos, porém o mesmo não ocorre com a produção pecuária. Hoje são 1,3 animais por hectare em média no país. Temos a tecnologia e as condições para dobrar esta lotação para 2,6 animais por hectares em menos de uma década. Não é ciência de foguetes. Já existem diversas propriedades no Brasil que superam 3 cabeças por hectare sem confinamento. Dobrando a produtividade média nacional é possível atender a demanda futura de produção e ao mesmo tempo liberar 40 milhões de hectares para outras atividades.

Considerando o que esta hoje é subutilizadas e o que pode ser liberado pelos ganhos de produtividade na pecuária é possível atender as demandas de recuperação de passivos ambientais e aumento da produção de alimentos sem precisar desmatar mais nenhum hectare no Brasil, pelo contrário, é possível fazer tudo isso aumentando a base florestal com reflorestamento e revegetação de áreas degradadas prioritárias para conservação.

Já vimos que isso é possível. Em meados da década passada foi aprovada a Lei da Mata Atlântica que praticamente proibiu o desmatamento no Bioma. Entre 2000 e 2016 a área agropecuária do Estado de São Paulo diminuiu quase 1 milhão de hectares enquanto a produção agrícola aumentou 50% e cobertura florestal cresceu mais de 800 mil hectares. A restrição do desmatamento provocou um aumento da eficiência e da produtividade no uso das terras destinadas a agropecuária.

É hora o Brasil declarar uma moratória do desmatamento em todo o país até 2030 e focar nos próximos anos na expressiva melhora da eficiência de uso do solo, aliando aumento de produção agropecuária e florestal com manutenção e recuperação da vegetação nativa e a reabilitação de áreas degradadas. É o jogo de ganha-ganha para sociedade, o planeta e a economia.

Publicado em O Globo em 25/04/2018

quinta-feira, 29 de março de 2018

Programa Capital Natural: Especial MapBiomas

O Programa Capital Natural de 24.03.2018 na BAND TV apresentou um especial sobre o Projeto MapBiomas. Fui entrevistado junto com Marcia Hirota da SOS Mata Atlântica.





quarta-feira, 28 de março de 2018

Etanol & Elétrons



A história recente do etanol do Brasil é um caso único de sucesso de implementação em larga escala de uma alternativa ao uso de combustíveis fósseis. A combinação da tecnologia de produção de etanol em grandes quantidades associada ao desenvolvimento dos motores flex (ou bicombustíveis) foi chave para este sucesso. Hoje, quase 75% da frota circulante de veículos leves no Brasil são flex; portanto, podem rodar com qualquer mistura de gasolina e etanol.

A substituição da gasolina pelo etanol traz vários benefícios, entre eles a redução das emissões de carbono. Ao crescer, a cana capta carbono da atmosfera através da fotossíntese e, ao queimar o combustível, o carbono que havia sido capturado volta para atmosfera. Com o fim progressivo da prática da queima da cana antes da colheita, há ainda um acumulo de carbono no solo. Assim, o sistema pode até ser positivo, capturando mais carbono do que emite.

Mas esta conta só fecha se os plantios de cana não envolverem novos desmatamentos (que emitem milhões de toneladas de carbono). Estudos conduzidos por instituições públicas e privadas, nos últimos anos, apontam que o crescimento dos novos plantios de cana desde o ano 2000 se deu sobre áreas já desmatadas há muito tempo, especialmente de pastos. Em São Paulo, o maior estado produtor, menos de 1% dos novos plantios está associado a áreas com desmatamento pós-2000. O veto vigente à expansão da cana na Amazônia, defendido pela própria indústria sucroalcooleira e por ambientalistas, certamente tem ajudado a manter tal condição.

Apesar de quase 75% da frota de veículos leves serem flex, a escolha de abastecer com etanol representa menos de 25% do consumo total de combustível destes veículos. Ou seja, o potencial de redução de emissões de gases de efeito estufa pelo programa de etanol no Brasil ainda é pouco explorado. Se todos os veículos flex se abastecessem apenas com etanol, haveria uma redução adicional das emissões em quase 35 milhões de toneladas de CO2e por ano — o que equivale às emissões somadas de ônibus e aeronaves do país em 2016.

O futuro do transporte está na eletrificação. O motor a combustão está com os dias contados. No Brasil, isso faz ainda mais sentido, considerando que 80% de nossa matriz elétrica são renováveis. Mas a troca de toda a frota circulante demorará décadas, e o Brasil tem uma condição única para fazer esta transição: reduzir as emissões da frota já existente a partir de políticas e estímulos ao uso dos biocombustíveis.

Ao mesmo tempo, será necessário a indústria sucroalcooleira do Brasil se adaptar para se transformar numa indústria bioquímica e bioenergética, substituindo a petroquímica e a geração termoelétrica com combustíveis fósseis. Isso é a cara da nova economia.

Publicado em O Globo - 28.03.2018

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Dados Primários



Há cerca de quinze anos, um grupo de pesquisadores do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) preparava um estudo sobre indicadores de sustentabilidade da cidade de Belém e precisavam saber quantos metros quadrados de praças e área verdes havia em cada bairro da região metropolitana. Durante três meses os pesquisadores buscaram o dado junto a órgãos públicos. Protocolo para cá, ofício para lá, o máximo que conseguiram foi uma estimativa de existiam "umas cem praças". O Beto Veríssimo, líder do estudo, reuniu a equipe e propôs: vamos medir nós mesmos. Armados de GPS, trena e suor, em dois meses eles mapearam quase duas mil praças e áreas verdes na capital paraense.

Lembrei-me deste episódio ao participar do debate recente sobre os dados de cobertura e uso da terra no Brasil.

Em um artigo recente no Valor Econômico, o autor conclui, após, segundo ele, cruzar várias fontes de dados, que entre 1990 e 2016 a área ocupada pela atividade agropecuária no Brasil teria sido reduzida em 4,2 milhões de hectares, a despeito de 38 milhões de hectares terem sido desmatados no mesmo período. Afirma que a regeneração de mata nativa teria alcançado 50 milhões de hectares no período e que, portanto, para cada hectare desmatado, 1,3 hectare era recuperado. A expansão da produção agropecuária teria se dado, então, exclusivamente pelos extraordinários ganhos de produtividade.

O incauto ao ler tal informação poderia concluir que a área das matas brasileiras teria aumentado nas ultimas décadas e a agropecuária reduziu a área ocupada. Portanto, a expansão da agropecuária não teria causado desmatamento e degradação. Ou seja, tudo ótimo, nada a mudar, basta seguirmos no rumo que estamos.

Nestas horas é importante voltar as fontes de dados primários sólidas e abrangentes no tempo e espaço.

Existem atualmente três iniciativas de mapeamento da cobertura e uso da terra em escala nacional no Brasil. São elas: o Programa de Monitoramento do Uso da Terra do IBGE; o Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Ministério da Ciência e Tecnologia; e o Projeto muti-institucional MapBiomas.

Ainda que todos possam ser melhorados e embora tenham diferenças de abordagem metodológica, legenda e resolução, os dados gerados pelos três projetos indicam de forma inequívoca: (i) O Brasil perdeu cobertura florestal e vegetação nativa em todos os períodos analisados; (ii) A área ocupada pela atividade agropecuária (cultivos e pastagens) cresceu em todos os períodos; (iii) Houve regeneração em larga escala no Brasil, mas ela ainda representa menos de um terço das áreas desmatadas; (iv) mais de 90% das áreas desmatadas se convertem em agropecuária.

Esta é a realidade nua e crua dos dados primários. Eles decerto estão sujeitos a muitas análises e interpretações. Estas só não podem ir de encontro aos fatos.

Publica em O Globo em 28.02.2018

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Vento tem dono?


Seria cômico se não fosse trágico. O Congresso se prepara para votar uma PEC que torna os ventos bens da união e permite a cobrança de royalties pelo aproveitamento energético eólico. Obra de um deputado do Piauí, relatada por outro de Pernambuco, os ilustres representantes do povo estão de olho em um naco das receitas do setor de energia eólica, a fonte que mais cresceu em nossa matriz energética nos últimos anos.

Os argumentos do projeto de emenda constitucional são patéticos, indicando que a medida seria necessária para compensar os municípios, estado e união pelas perdas do potencial turístico e outras atividades econômicas (sem apresentar uma única evidência para tal afirmação).

O que viria depois? Cobrar dos pescadores e velejadores por usar a energia do vento para mover as embarcações? Cobrar das companhias aéreas, paraquedistas ou até quem sabe dos meninos que empinam pipa por se apoiar no vento para voar? Se congresso legisla que vento tem dono então poderia fazer o mesmo com a energia do sol. Dai o próximo passo seria cobrar dos agricultores por usar o sol para produzir alimentos, fibras e energia ou taxar cada residência que tenha aquecimento solar de água ou células fotovoltaicas.

O movimento é ainda mais absurdo quando se considera que o governo propôs - e o congresso aprovou no apagar das luzes de 2017 - um generoso pacote de centenas de bilhões de reais de renuncia fiscal para o setor petróleo e gás. Agora parece querer compensar a perda de arrecadação cobrando pelo vento.

Quando mais precisamos lutar para reduzir emissões de gases de efeito estufa o Brasil resolve ampliar o desserviço a nossa economia e a saúde do planeta ao incentivar energia fóssil e poluente e desincentivar a energia limpa e renovável.

Para nordeste quanto pior. As usinas eólicas já são a principal fonte geradora de energia da região, provendo mais da metade da demanda de eletricidade. Trás emprego, renda, investimento e segurança energética. Se ela se tornar menos competitiva podem perder espaço nos leilões de geração para termoelétrica e outros projetos em outras regiões do país. O tiro vai sair pela culatra. Vão matar a galinha dos ovos de outro.

Se é preciso aumentar a arrecadação sobre o setor de energia que o façam com uma taxa extra sobre os combustíveis fósseis (por exemplo alterando a CIDE) o que seria justificável e alinhado com o compromisso brasileiro para redução de emissões de gases de efeito estufa. Se ainda assim querem ser mais abrangentes poderia incluir um premio extra no valor da energia (de qualquer fonte) evitando reduzir a competitividade das fontes renováveis.

Se o Brasil decidir tomar posse do vento e cobrar royalties pelo seu uso seria o único país do mundo a fazê-lo. Desta jabuticaba nós definitivamente não precisamos.

Publicado em O Globo em 31.01.2018