quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Não tem chuva, vamos de sol!

O Brasil voltou a conviver com o risco de apagões. Entre os diversos fatores que poderiam explicar o aumento de risco três são claros:
- (i) a baixa precipitação no período em que se espera mais chuva tem levado a rápida redução do volume de água nos reservatórios, especialmente na região centro-oeste, sudeste e nordeste;
- (ii) para compensar a baixa nos reservatórios, o sistema de termoelétricas de reserva está acionado em capacidade total e grande volume de energia e precisa ser transmitido a longas distâncias, especialmente da região Norte para as regiões sudeste e centro-oeste, provocando estresse dos limites de segurança de operação do sistema de transmissão;
- (iii) os recordes de calor têm provocado sucessivos picos recordes de demanda de energia para acionamento de sistema de refrigeração.
No curto prazo, não há solução fácil. São fundamentais medidas como a contenção da demanda (ex. regramento de uso, contenção de desperdícios, racionamento) e o aumento da capacidade de suporte do sistema de transmissão.
No lado da oferta, todas as termoelétricas do sistema de reserva foram colocadas em operação 24h por dia, gerando, em janeiro, cerca de 11 mil MWh médio, o que resultou em enorme aumento de custos da energia (ultrapassa R$ 1 mil por MWh). Projeções oficiais conservadoras apontam para a necessidade de repasse de, pelo menos, R$ 10 bilhões na conta do desenvolvimento energético, apenas em 2014.
Outra consequência é o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do setor elétrico. As emissões da energia gerada e distribuída por meio do SIN – Sistema Integrado Nacional saltaram de 10,7 milhões de tCO2 em 2009 para 51 milhões tCO2 em 2013, ou seja, cresceram mais de quase 500%.
Uma das caraterísticas mais marcantes dos picos de demanda de energia neste verão é o seu deslocamento para o meio da tarde. Se antes os picos de energia se concentravam entre 17h e 22h (é o chamado horário de ponta na terminologia do Operador Nacional do Sistema Elétrico), agora os recordes de demanda ocorrem entre 14h e 16h, auge do calor. A única região que continua com recorde de pico no período noturno é a região norte, justamente a que mais exporta energia para as regiões sudeste, centro-oeste e nordeste.
demanda-maxima-sistema
Este deslocamento pode ser visto como uma oportunidade para implantação maciça de geração de energia solar fotovoltaica distribuída. O pico da demanda coincide com o pico de insolação nas regiões demandantes de energia, em especial no horário de verão. Segundo estudo publicado em 2012 pela própria EPE, um m2 de painel solar instalado no Brasil pode gerar de 1260Wh a 1420Wh de energia, quase 30% a mais do que o mesmo painel na Alemanha, maior produtor de energia solar europeu.
instalação de painéis solares em grande escala é uma estratégia que pode atacar vários problemas ao mesmo tempo e preparar o Brasil para os próximos verões. A instalação de sistemas solares distribuídos é rápida (alguns meses) e não exige sistemas de transmissão, pelo contrário: reduzem a demanda de energia no sistema integrado a medida que a geração acontece localmente. Além disso, reduzem drasticamente a emissão de gases de efeito estufa – estes, aliás, agravadores dos problemas climáticos como prolongamento dos períodos de estiagem.
Como são geradores de energia individual, esses painéis podem ser montados com sistemas de financiamento direto ao consumidor residencial ou comercial, reduzindo verdadeiramente o custo de energia. O estudo da EPE mostra que, levando em conta os valores de 2011, mesmo com todos os custos indiretos (praticamente não existe incentivos tributários), o custo da energia solar (cerca de R$ 500 a 600/MWh) era competitivo em relação ao preço da energia para o consumidor final praticado por 28 de 63 concessionárias em todo Brasil. Atualmente o custo da energia solar é mais baixo: caiu para R$ 300 a 400/MWh.
O custo da energia solar distribuída é menos da metade do custo das termoelétricas de emergência, agora acionadas. Ou seja, cada mil MWh de energia termoelétrica substituída por solar pode significar economia de cerca de R$ 500 mil.
O preço de instalação para o consumidor final é de R$ 6 mil/KW de potencial de geração (sem incentivos, o custo do sistema está em torno de R$ 4,5 mil/KW aqui no Brasil). Para uma geração de 1 mil MW, nas horas de sol, seria necessário investimento de R$ 6 bilhões (metade do que está indo pelo ralo em um ano para cobrir a conta das termoelétricas). Assumindo uma operação média de 8 horas/dia e 40% de aproveitamento, seriam 3,2 mil MWh a menos demandados do sistema integrado e de termoelétricas, possibilitando economia de R$ 2 milhões/dia ou R$ 600 milhões/ano, com menos demanda sobre o sistema de transmissão, o que contribui para evitar sobrecarga, com menos emissões.
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Pode parecer muito ambicioso, mas é uma proposta até tímida quando se compara ao que vem sendo feito, por exemplo, na Alemanha onde a capacidade instalada alcançou, ao final de 2013, impressionantes 36 mil MW. Apenas em 2012 foram instalados mais de 7 mil MW de potencial de energia solar em sistemas fotovoltaicos distribuídos. Embora constituam apenas 3% da geração anual do país, a energia solar cumpre papel fundamental nos momentos de pico de demanda do verão europeu, chegando nestes momentos a gerar até 40% da demanda como mostra o gráfico abaixo.
Além dos telhados das casas, existem inúmeras possiblidades de espaço ocioso para instalação dos painéis solares como coberturas de postos de gasolinas, galpões de fábricas, armazéns, granjas (que estão viradas para a face norte!), estacionamentos (neste caso, os painéis ainda podem prover sombra para veículos), entre outros.
Com os incentivos corretos, o Brasil pode entrar de cabeça na revolução solar e transformar a ameaça em oportunidade, que nos permita economizar água, reduzir emissões das termoelétricas e trazer segurança e economia energética para o país, em especial para o usuário domestico e comercial.

Publicado em Blog do Clima / Planeta Sustentável - 12-02-2014