quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A COP19 em Varsóvia: A conferência Moon-Walk

A 19ª Conferencia das Partes da Convenção das Nações Unidades sobre Mudanças Climáticas (COP19 do Clima), realizada em Varsóvia, poderia ser lembrada como a COP Moon Walk, aquele passo celebrizado por Michael Jackson, com o qual parecia andar para frente, mas, na verdade, não saia do lugar ou até o levava para trás.

Das 27 decisões aprovadas na COP podemos extrair três temas de destaque, com alguma novidade:
1. Avanço na plataforma de Durban (caminho para novo acordo climático);
2. Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos associado aos impactos das mudanças climáticas e
3. Plataforma de Varsóvia para REDD+ (conjunto de sete decisões).

REDD+, UM CAPÍTULO À PARTE

Depois de oito anos de debates, o pacote de decisões que apoia o REDD+ ou Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, incluindo manejo e conservação, chega finalmente ao ponto de poder ser operacionalizado. Apesar de ser apresentado como grande novidade, o fechamento deste pacote de decisões sobre REDD chega com atraso de, pelo menos, quatro anos. O conjunto de decisões mais de 10 decisões das ultimas COPs permite maior clareza do conceito, escala e escopo de REDD+. Também esclarece como se mede a redução de emissões (incluindo a definição de valores de referência) e reconhece os mecanismos de pagamento por resultados e as salvaguardas necessárias para aplicação de distribuição dos recursos financeiros pago por estes resultados de forma a resguardas a integridade ambiental e social das iniciativas de REDD.

Anúncios de novos recursos financeiros (US$ 280 milhões) foram feitos na conferência, mas nada que altere substancialmente os compromissos assumidos nos últimos cinco anos em relação ao REDD, e ainda longe de serem suficientes para a sustentação de médio prazo das iniciativas nacionais.

Muitas questões ainda devem ser definidas ao longo dos próximos anos como a forma, as modalidades e os valores para pagamento por resultados, além da garantia do fluxo de recursos para incentivar o REDD em escala global.

MITIGAR E ADAPTAR

Em COPs anteriores, ficou claro que deveria ser criado um mecanismo para lidar com perdas e danos (loss and damage) associados aos impactos das mudanças climáticas, tanto por eventos extremos ou como processos progressivos de longo prazo já em curso como o aumento no nível do mar. Este seria o terceiro pilar do debate climático que, desde 1992, tinha por base o binômio mitigação-adaptação.

Mitigar é lutar para limitar as mudanças climáticas e adaptar é preparar-se para reduzir os impactos futuros das mudanças do clima. A criação do mecanismo de perdas e danos representa o reconhecimento dos impactos que já estão acontecendo e para os quais a estratégia de adaptação não dá conta.

Cada um dos pilares estabelecidos teria mecanismos e meios de implementação próprios para lhes conferir a agilidade e a presteza necessárias. Mas a decisão em Varsóvia estabeleceu, de forma genérica, um mecanismo internacional como parte da Plataforma de Cancun para Adaptação (CAF – Cancun Adaptation Framework). O texto é amorfo ao tratar de responsabilidades e mecanismos concretos em caso de eventos climáticos extremos, com perdas e danos para países mais vulneráveis.

Países desenvolvidos – responsáveis pela maior parte das emissões históricas que se revertem em impactos neste momento – bloquearam qualquer menção às suas reponsabilidades de forma a impedir que possam ser instadas a pagar toda a conta das perdas e dos danos causados. Até mesmo a proposta brasileira de se desenvolver uma metodologia para avaliar a contribuição histórica para as mudanças climáticas atuais(considerando os efeitos acumulativos dos gases de efeito estufa) foi sumariamente rechaçada.

FORMA DO NOVO ACORDO

Mas, de longe, a mais fundamental e aguardada decisão em Varsóvia se refere à definição do guia de conteúdos para compor o novo acordo climático de 2015, para valer a partir de 2020. Nas palavras de várias lideranças, seria uma espécie de índice de conteúdos do que constaria no novo acordo e que deveria ser desenvolvido nos debates de 2014 para pudessem formar o conteúdo básico de formulações que integrariam uma primeira proposta de texto para o acordo de 2015 a ser publicado no final de 2014 ou primeiras semanas de 2015. Esse tempo é necessário para que se tenha tempo suficiente para digerir e negociar o texto final até a COP21, que será realizada em dezembro de 2015, em Paris.

A proposta de decisão para COP produzida pelo ADP (AdHoc Working Group on Durban Plataform on Enhanced Action) grupo  de trabalho em que este debate é tratado, trazia em sua primeira versão, um índice temático na forma de um anexo simples e claro. Ao longo dos  dias  o conteúdo foi sendo diluiído (à certa altura era algo do tipo “lista não exaustiva de temas para aprofundamento”) até ser eliminado nas últimas horas de negociação.

O que restou foi um documento fraco que, na parte mais essencial, definiu que os países apresentarão suas contribuições (leia-se, compromissos/metas) para o período pós 2020 até o primeiro trimestre de 2015. Ou seja, o que era para acontecer em 2014 ficou para o ano seguinte e sem qualquer parâmetro (ex. ano base; métrica) que possa servir de base para que seja feita uma análise concreta e direta sobre a compatibilidade destas contribuições com os limites de emissão sugeridos pelo 5o relatório do IPCC.

MUDAR A DANÇA

Saímos de Varsóvia sem a lição de casa feita. Toda a pressão foi transferida para 2014, ou seja, para a COP20, que será realizada em Lima, no Peru, na primeira quinzena de dezembro. Para correr atrás do prejuízo foram aprovadas sessões extras de trabalho que serão realizadas, antes, em março, maio e novembro.

Além do pouco avanço nos temas essenciais, ao longo das duas semanas de conferência, tivemos várias notícias desestimulantes como a redução das metas de mitigação do Japão e a reversão de parte da política de clima na Austrália. Ainda que circunstanciais, são sinais ruins já que o nível de ambição precisa aumentar e não diminuir, caso contrário o excesso de emissões até 2020 impedirá o início de uma trajetória global de queda, como insistentemente recomendado pelo IPCC.
Em 2014, o desafio é mudar a dança, nem que seja para um Moon Walk invertido – ou EarthWalk -, na qual os movimentos são de passos para trás, mas a resultante é uma caminhada para frente.

Publicado em Planeta Sustentável em 27/11/2013